Nova morada ideal tem mais espaço, natureza e distância de grandes centros
Pandemia fez pessoas repensarem o que buscam em casas ou apartamentos
Casa ampla, afastada do centro urbano, com área verde, talvez uma horta, perto de praias, praças ou espaços ao ar livre. Parece a descrição da moradia ideal do século passado, mas é uma tendência atual no Brasil, na Bahia e no mundo, puxada pela pandemia.
Este é o caso do servidor público Adriano Vieira, de 49 anos, que morava num apartamento na Pituba, na capital baiana. No ano passado, comprou um imóvel em Guarajuba, Litoral Norte, em busca de mais qualidade de vida para a esposa, Zorilda, e os filhos – Leandro, de 11, e Ilana, de 15. Para ele, foi importante escolher um local amplo, com infraestrutura e perto da praia que ele conhecia de muitos outros verões.
“Eu e minha esposa já pensávamos em comprar um imóvel e optamos por Guarajuba porque não é tão longe e nem tão perto de Salvador. Dá para se sentir em outro ambiente a uma curta distância de carro”, explica Adriano. “Veraneei muito nessa região e a gente só ia no final do ano ou datas específicas. Queria poder proporcionar isso de forma mais permanente”.
Aliás, esse “êxodo” dos grandes centros para bairros ou mesmo municípios mais afastados não é algo novo. Segundo a urbanista Camila Andrade, pesquisadora da Universidade Federal da Bahia, isso acontece de tempos em tempos. O que a pandemia trouxe foi uma preocupação ainda maior com o conforto e as novas funções que a casa precisa oferecer.
“Há algum tempo observamos o aumento de população nas cidades médias e pequenas. Os dados das últimas contagens populacionais e as mudanças observadas no Regic/IBGE (pesquisa sobre as Regiões de Influência das Cidades) confirmam essa tendência”, destaca. Segundo ela, a partir da pandemia se observou uma busca por apartamentos maiores e casas, bem como em relação a reformas para melhorias dos ambientes, que ganharam novas funções, como salas de reuniões e escritórios.
O momento de mudança no conceito da moradia se reflete também no mercado, apontam dados da Associação de Dirigentes Imobiliários da Bahia (Ademi-BA). No primeiro semestre de 2021, Salvador registrou um aumento de 40% na venda de imóveis, em relação ao mesmo período do ano passado. Na Bahia, a alta foi de 21%.
Seja na capital ou em locais mais afastados, ambientes mais amplos, arejados, com pisos e acabamentos mais fáceis de limpar, além de novos protocolos de higiene, começam a aparecer nas listas de exigências. A arquiteta de interiores Claudia Biglia, sócia do escritório Biglia & Moinhos, disse que ficou surpresa com a quantidade de projetos que surgiu durante a pandemia.
“Passado o susto inicial dos meses de fechamento completo, tivemos uma demanda de trabalho impressionante. As pessoas nunca tiveram tanta necessidade de arrumar a casa como durante a pandemia. E acho que algumas mudanças de hábito vão continuar”, acredita Claudia.
O home office, por exemplo, veio para ficar, afirma. E isso traz uma série de novas demandas. “Muitas pessoas que têm dificuldade para se concentrar por causa de filhos, funcionários, precisam de um lugar específico destinado ao trabalho. Temos novas necessidades para aproveitar os espaços, usar a ventilação natural, equipar melhor a cozinha para fazer a própria comida, criar hortas verticais”, enumera.
Natureza
O trabalho de casa, as idas mais espaçadas ao escritório e as aulas dos filhos, que aos poucos vão retornando ao modelo 100% presencial permitiram que o novo estilo de vida de Adriano e da família continuasse. Mas a mudança aconteceu em setembro do ano passado, quando tudo ainda era virtual. E exigiu adaptação, sobretudo das crianças.
“Deu até um pouco de trabalho para fazê-los sair de casa para a praia, caminhar, ver a natureza, porque eles já estavam muito habituados a ficar dentro de casa”, lembra. A aula era online, o lazer também era, o contato com os amigos pelo WhatsApp, Zoom, tudo era virtual. “Levou um tempo para que eles pudessem curtir um pouco mais”, conta. Hoje, a família se divide entre a casa em Guarajuba e o apartamento em Salvador.
A psicóloga e educadora Paula Bastos aponta que os impactos do isolamento social, especialmente em crianças menores, começam a aparecer. Ela cita o desenvolvimento motor como uma questão que professores precisam ficar atentos no retorno à escola.
“Só agora a gente vai ter noção do prejuízo. Por enquanto, o que eu pude perceber na minha experiência é que não houve uma lacuna tão grande no aprendizado do conteúdo, como se acreditava, mas na parte motora sim, demais”, explica Paula Bastos. “A criança volta com dificuldade para conseguir pegar um lápis direito, colorir um livro, fazer a letra cursiva. Fora a autonomia, independência. Esses conceitos ficaram esquecidos”, lamentou.
Por isso, Paula apostou em atividades externas para os filhos, Daniel e Natália (7 e 6 anos), e as sobrinhas, Luiza e Alice (6 e 4 anos), na casa do pai dela, num condomínio na Estrada do Coco. Como o local dispõe de bastante área verde, realizaram um sonho das crianças e dos adultos saudosos: uma casa na árvore.
“A gente escolheu passar a pandemia juntos, em família, e foi uma escolha muito acertada pensando no desenvolvimento das crianças. São apenas quatro crianças mas crescendo juntos e fazendo experiências juntas”, lembra. A casa na árvore foi construída aos pouquinhos, com a ajuda de todos. “O ganho foi imenso porque as crianças acordam cedo e passaram o dia todo lá brincando de faz de conta, servindo café e fazendo comida, brincando de pais e filhos, independentes, ativos”, lembra.
O relacionamento com a natureza e atividades externas que não envolvam telas – como televisões e smartphones – contribuem para evitar problemas de saúde, que vão desde o sedentarismo à depressão. Segundo estudo publicado em outubro de 2020 pela Panorama Mobile Time/Opinion Box, o percentual de crianças de sete a nove anos usando smartphones por, pelo menos, três horas por dia, cresceu de 30 para 43%. No Nordeste, esse número subiu para 40,3%.
“O contato com a natureza é um antídoto do uso excessivo da tecnologia. Promove o desenvolvimento motor, motor amplo, motor fino. Coisas simples como pegar um bichinho, catar uma folha, ajudam na relação com outras pessoas, com o ambiente. Além do benefício psicológico”, explica Paula. “E vai abranger especialmente os menores, que estão com escassez de experiências. São crianças que sabem mexer num tablet, falar outra língua, mas não sabem subir numa escada irregular, por exemplo”.
Ecovilas
Uma tendência que começa a surgir no embalo da identidade comunitária em equilíbrio com a natureza são as ecovilas, entidades autônomas que se baseiam na produção própria de alimentos e troca de serviço entre os moradores.
“Em geral se trata de um núcleo rural que pensa em usar os recursos naturais de maneira mais racional e de preservação da natureza. Recursos hídricos, energéticos, de solo... Se for uma construção coletiva, também envolve a busca por soluções arquitetônicas e urbanísticas”, diz a urbanista Isabel Aquino. “O contato com a natureza é uma tendência grande”.
As mudanças dos novos tempos serão discutidas no Agenda Bahia 2021, que acontece no dia 28 de outubro, às 18h, pelo youtube.com/correio24h e pelo @correio24horas no Instagram.
Cidades
A vontade de morar em espaços maiores e diminuir contato com outras pessoas no dia a dia pode mudar os conceitos dos lançamentos imobiliários, dando mais valor às áreas comuns – academias, salões de jogos, brinquedotecas – e mesmo algumas tendências de uso comunitário, como lavanderias, acredita a arquiteta Claudia Biglia.
“Ainda é cedo para fazer uma avaliação, mas eu acredito numa reversão. As pessoas voltaram a priorizar o espaço nos apartamentos mais do que as áreas comuns. O que pode talvez fugir a essa realidade são hortas, jardins, espaços verdes, ou coworking, em que as pessoas possam dividir ambientes de trabalho sem precisar alugar uma sala para isso”, explica Claudia Biglia.
A regionalização também ganha força, resgatando o conceito da “cidade de 15 minutos”, um cenário em que se possa trabalhar, ter lazer, alimentação e serviços diversos a poucos minutos de casa. Embora seja, hoje, uma realidade para classes sociais mais abastadas, as comunidades também se fortalecem para superar dificuldades que a pandemia escancarou. “As populações de baixa renda normalmente são solidárias. Se mobilizam para arrecadação de alimentos, itens de higiene, ajuda com crianças e doentes. Pode surgir daí, num cenário otimista junto com terceiro setor, uma forma comunitária para suprir demandas e carências”, aponta a urbanista Isabel Aquino.
A necessidade do contato com o verde nos grandes centros urbanos para quem não tem opção de viajar ou se mudar pode forçar iniciativas coletivas. “Coisas simples como adaptar hortas urbanas, aproveitar canteiros, infiltrações, abrir jardins de chuva, pegar uma vaga de carro e botar banquinho, plantas. O coletivo pode se beneficiar dessas possibilidades”, completou.
Mas a também urbanista Camila Andrade sinaliza que o estímulo do poder público pode potencializar esses ganhos.
“Precisamos de mais investimento em espaços públicos ao ar livre, com adensamento de entorno considerando também questões como saúde pública e lazer. Também é necessário incentivo à manutenção de áreas verdes, através de remissão e/ou desconto de imposto e taxas”, sugeriu.
O Agenda Bahia 2021 é uma realização do CORREIO, com patrocínio da Unipar, parceria da Braskem, apoio da Sotero Ambiental, Tronox, Jotagê Engenharia, CF Refrigeração e AJL Locadora e apoio institucional da Prefeitura Municipal de Salvador, Sistema FIEB, Sebrae, Rede Bahia e GFM 90,1.
Fonte: Correio 24h