09 mar, 2018

Cautela com situação atual modera alta do consumo e aumenta poupança

A recuperação do consumo das famílias está em curso e será decisiva para impulsionar a economia nos próximos trimestres

O consumidor ainda está cauteloso, num cenário de retomada gradual do mercado de trabalho, com grande parte da criação de empregos no setor informal.

Uma análise do índice de confiança do consumidor ajuda a entender essa cautela: a avaliação sobre a situação atual está em níveis bem inferiores ao das expectativas em relação ao futuro. Além disso, as taxas cobradas em empréstimos permanecem elevadas, porque os spreads bancários pouco caíram, excluindo as operações com cartão de crédito.

Isso ajuda a entender o aumento da poupança doméstica registrada em 2017, quando a renda das famílias cresceu mais do que o consumo. A taxa de poupança subiu de 13,9% do PIB em 2016 para 14,8% do PIB em 2017, um movimento que também parece ter contado com a colaboração das empresas e do setor público.

O economista-sênior da LCA Consultores, Bráulio Borges, aponta "a queda relativamente lenta do desemprego e a redução também muito lenta da precarização" do mercado de trabalho como um dos freios à demanda privada. Nos três meses até janeiro, a população ocupada aumentou em 1,848 milhão em relação ao trimestre encerrado em janeiro de 2017. "Mas boa parte da melhora foi no setor informal", diz ele. Desse total, 986 mil foram empregos por conta própria e 581 mil, postos de trabalho sem carteira assinada. Houve também queda de 562 mil empregos formais no período, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua.

"A lentidão é uma característica desta retomada. O desemprego ainda é cavalar", diz Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV). Ele observa que a percepção de risco é um dos fatores que afetam o nível de poupança dos consumidores.

"As pessoas se assustaram, porque não esperavam uma recessão da dimensão da que ocorreu", afirma Pessôa, destacando que muitos empregos criados são precários. Nesse quadro, há quem opte por aplicar recursos em fundos ou na caderneta de poupança, o que é ótimo", segundo ele, sócio da consultoria de investimento Reliance.

Pessôa e Borges destacam um aspecto da confiança do consumidor que contribui para entender esse comportamento cauteloso, embora os juros estejam em queda e o rendimento real esteja em alta, devido à queda da inflação. Houve melhora considerável da confiança desde 2016, segundo a Sondagem da FGV, mas há uma diferença expressiva entre o índice de situação atual e o de expectativas futuras, observam os economistas.

O indicador que mostra a avaliação sobre o quadro atual subiu 10,7 pontos entre abril de 2016 e fevereiro deste ano, para 75,2 pontos, enquanto o de expectativas avançou um pouco mais de 28, para 96,5, nos dois casos na série com ajuste sazonal. O índice de confiança, combinação dos dois, subiu 21,5 pontos no período, para 87,4.

Os níveis altos dos juros dos empréstimos também ajudam a inibir uma alta mais firme da demanda das famílias, avaliam Pessôa e Borges. Embora a Selic tenha caído com força, Borges observa que o spread (a diferença entre o custo de captação de recursos e as taxas cobradas do consumidor) pouco se alterou quando se excluem as taxas do cartão de crédito, que recuaram consideravelmente no ano passado, devido a uma mudança nas regras do crédito rotativo.

Segundo cálculos da LCA, o spread nos empréstimos para pessoas físicas com recursos livres, desconsiderando cartão de crédito, ficou em 44,8 pontos percentuais em janeiro deste ano, queda não muito significativa em relação aos 49 pontos do começo de 2017.

Esses fatores contribuem para explicar a alta modesta do consumo das famílias no quarto trimestre do ano passado, que cresceu apenas 0,1% sobre o terceiro, feito o ajuste sazonal. Foi uma variação bem abaixo do 1,2% e do 1,1% dos trimestres anteriores, aumentos influenciados, tudo indica, pela injeção na economia de R$ 45 bilhões das contas inativas do FGTS.

Em relação ao mesmo trimestre do ano anterior, porém, o consumo das famílias mostrou um desempenho melhor. Houve crescimento de 2,6% no quarto trimestre, o terceiro aumento seguido nessa base de comparação.

A expectativa é que esse componente da demanda ganhe fôlego neste ano, uma vez que os juros básicos caíram com força e ainda produzirão efeitos sobre a economia, a confiança tem crescido, o mercado de trabalho melhora, ainda que gradualmente, a inflação segue muito baixa e as condições de crédito devem se afrouxar mais. Borges projeta alta de 4% do consumo das famílias neste ano, um dos fatores que devem levar o PIB a se acelerar em 2018, crescendo 2,8%, nas contas da LCA.

A questão é que o consumidor ainda vê neste momento a situação atual de modo menos positivo do que as expectativas para o futuro. Na pesquisa CNT/MDA divulgada na terça-feira, 65,4% dos entrevistados disseram considerar que o país continua em crise econômica. Já na sondagem do consumidor de fevereiro, "os consumidores se revelaram menos propensos a gastar", de acordo com a FGV, observando que houve queda no indicador que mede a disposição para compras de bens duráveis nos próximos meses.

Nas contas nacionais, a poupança ficou em 14,8% do PIB em 2017, uma alta em relação aos 13,9% do PIB de 2016, o menor número desde os 13,6% do PIB de 2001. Para Armando Castelar, coordenador de economia aplicada do Ibre da FGV, parte desse aumento se deveu às famílias. Enquanto o consumo das famílias cresceu 1% em 2017, a massa salarial teve expansão de 2,1%, descontada a inflação, nota ele. Rendimentos como aposentadorias também cresceram. Com a renda aumentando acima do consumo, aumenta a poupança das famílias, diz Castelar.

Fonte: Ibrafi